Por Dra. Tatiana Guimarães, médica com experiência no tratamento de doenças crônicas e cuidados paliativos com cannabis medicinal.
Primeiro é preciso dizer que esses highlights são para colegas médicos, colegas de outras áreas da saúde, pacientes e entusiastas observadores que são testemunhas dos benefícios desse tipo de tratamento e impacto positivo na vida das pessoas. Alguns de vocês entendem o porquê do “fuzuê” todo da semana passada em torno desse evento, outros nem tanto. Então busquei trazer essas informações em uma linguagem inteligível para todos os leitores.
O Wecann Summit, congresso que aconteceu entre os dias 24 e 26 de outubro, é o maior congresso de medicina endocanabinoide do mundo porque consegue reunir os maiores estudiosos e médicos que trabalham nessa área em um só evento. E isso é um trabalho grandioso e admirável.
É importante ficar claro que a medicina endocanabinoide não é modinha. Muitas pessoas, da área da saúde inclusive, acreditam que esse assunto é recente pois agora, de repente, todo mundo escuta falar sobre tratamento medicinal com cannabis. No entanto, além do conhecimento sobre os benefícios dessa planta serem milenares, com registros anteriores a 2700 a.c., é preciso relembrar que ela passou a ganhar destaque em publicações desde o final do século XIX.
Em 1889 essa planta já figurava em um artigo do “The Lancet” como útil no tratamento de pacientes com dependência de opioides e já aparecia como indicação para o tratamento de 62 problemas de saúde no Manual Merck – a principal e mais vendida publicação médica do mundo na época.
Adiantando-nos um pouco na história, agora com informações para os colegas médicos, o marco do entendimento bioquímico da planta aconteceu em 1964 quando Raphael Mechoulam e colegas elucidaram a estrutura química dos principais componentes da planta, o canabidiol (CBD) e o delta-9-tetrahidrocanabinol (9-THC).
Enquanto isso, no final da década de 60, o pesquisador brasileiro, prof. Dr. Elisaldo Carlini, ícone da história da pesquisa sobre cannabis medicinal no Brasil e no mundo, professor muito querido e admirado na UNIFESP, Universidade Federal de São Paulo onde me formei em medicina, já conduzia estudos clínicos sobre o papel terapêutico dessa planta.
Atualmente não há dúvidas de que o tratamento com derivados de cannabis está a cada dia mais disponível para mudar milhares de vidas. Inclusive com evidência científica qualificada. Não é fácil se manter atualizado na medicina, pois a ciência hoje está produzindo e reavaliando conhecimento de maneira mais rápida do que a maioria de nós, médicos e profissionais da saúde, conseguimos acompanhar. Mas é preciso manter o ritmo intenso de estudos se quisermos oferecer o que há de melhor para nossos pacientes.
E a “área de medicina endocanabinoide” é extremamente rica em informações, para quem está disposto a se atualizar. Acredito que todos os médicos deveriam ter contato com esse conhecimento e, já que a maioria de nós não teve essa possibilidade durante a graduação, devemos nos esforçar para, no mínimo, perceber que essa é uma ferramenta de tratamento extremamente eficaz para muitas comorbidades. É preciso que mantenhamos a mente aberta. Precisamos entender que, talvez, nem todas as especialidades tenham tempo de desenvolver conhecimentos tão profundos sobre esse tratamento para prescrever ou acompanhar seus pacientes, mas ao entendermos, no mínimo, as possíveis indicações para encaminhar nossos pacientes para um médico experiente na área, já estaremos fazendo a diferença.
Não é aceitável, em um mundo com tanto acesso à informação e com uma produção de conhecimento frenética como temos hoje, um médico ainda não conhecer as indicações de uso dessa ferramenta da medicina no tratamento aplicado à sua especialidade e afirmar que “não existe comprovação científica” do uso dessa planta na saúde pelo simples fato de não ter tido tempo ou oportunidade para explorar esse conhecimento. Quem não se atualizar sobre os progressos que estamos obtendo com tratamentos que usam os canabinoides como ferramenta auxiliar, vai ficar para trás. E isso é uma certeza!
Para pacientes e amigos que não são da área da saúde apenas destaco que esse congresso contou com os melhores palestrantes nacionais e internacionais extremamente competentes e responsáveis no trabalho que fazem, além de proporcionar uma fantástica troca de experiências entre médicos do mundo todo, fazendo com que nos sintamos cada vez mais seguros para oferecer tratamento de excelência através dessa ferramenta terapêutica.
Entender que essa planta pode ser usada em mais de 270 doenças, desde acometimentos neurológicos e neurodegenerativos, como nos controles de síndromes epiléticas, melhora de qualidade de vida no TEA e nas demências de maneira geral, em distúrbios como o Parkinson, questões psiquiátricas que englobam as síndromes depressivas e ansiosas, regulação de padrões de sono, inclusive com retirada de medicamentos extremamente nocivos para o organismo, além de suporte em tratamentos ginecológicos, dermatológicos, reumatológicos, pacientes oncológicos, cuidados paliativos e ainda tem mostrado efeitos surpreendentes no controle de doenças que hoje chamamos de crônica, como diabetes, pressão alta, hipercolesterolemia, hipertrigliceidemia, faz absolutamente toda a diferença na oferta de melhor cuidado para nossos pacientes.
A mensagem que fica é que a resposta para muitos dos nossos problemas está bem na nossa frente e que como classe de saúde, precisamos nos unir, assumir que não sabemos tudo, que ainda precisamos aprender e que nossos colegas de outras áreas estão aqui para nos ajudar a ajudar nossos pacientes!